domingo, 7 de dezembro de 2008

FAÇA SOL OU FAÇA TEMPESTADE - Adão Ventura


faça sol ou faça tempestade,
meu corpo é fechado
por esta pele negra.

faça sol ou faça tempestade
meu corpo é cercado
por estes muros altos,
— currais
onde ainda se coagula
o sangue dos escravos.

faça sol
ou faça tempestade,
meu corpo é fechado
por esta pele negra.

NEGRO FORRO - Adão Ventura


minha carta de alforria
não me deu fazendas,
nem dinheiro no banco,
nem bigodes retorcidos.

minha carta de alforria
costurou meus passos
aos corredores da noite
de minha pele.

Adão Ventura




Adão VenturaAdão Ventura Ferreira Reis nasceu em Santo Antônio do Itambé, então distrito do Serro (MG), em 1946. Viveu seus primeiros anos no campo, em péssimas condições, mas mudou-se para Belo Horizonte, onde se graduou em Direito pela UFMG. Em 1973 esteve nos Estados Unidos lecionando Literatura Brasileira na Universidade do Novo México e participando do “International Writing Program”, da Universidade de Iowa, destinado ao intercâmbio entre escritores jovens. Depois de exercer várias atividades, mudou-se para Brasília, onde presidiu a Fundação Palmares - entidade governamental dedicada à cultura negra. Obteve prêmios com a sua poesia e tem obras traduzidas para o inglês, espanhol, alemão e húngaro. Publicou Abrir-se um Abutre ou Mesmo Depois de Deduzir Dele o Azul (1970), As Musculaturas do Arco Triunfo (1976), Jequitinhonha – Poemas do Vale (1980), Texturaafro, (1992), Litanias de Cão (2002) e A Cor da Pele, que teve sucessivas edições e foi adotado diversas vezes em vestibulares, tornando-se não apenas o seu livro mais famoso, mas colocando-o como um dos maiores poetas brasileiros negros do século XX. Adão Ventura morreu em Belo Horizonte, em junho de 2004, quando preparava a edição de suas obras completas, reunindo todos os livros publicados e dezenas de poemas inéditos. A partir dos originais foi publicada a antologia Costura de Nuvens, Edições Dubolsinho (2006), título que o próprio poeta havia escolhido. Esta é a segunda homenagem que o projeto Terças Poéticas presta ao poeta Adão Ventura

ESPERANÇAS - Abelardo Rodrigues


Respiro esta fumaça de novas idéias

com meus pés

meus dentes de desejos

minhas garras de sonhos





Quero transpassar as barreiras alvacentas

e velhas datas

enovelar-me entre espirais

de um novo amanhecer

buscando jazidas de esperanças

em jazigos libertos

uma cunha nos contra-fortes dos homens

já saudosos de velhos tempos





A dor reumática do poeta:

ferir ossos com palavras

revolver monturos mesquinhos de sangue

enrijecendo as juntas

vencer tormentas aquosas

no vazio da realidade

canto-angústia maior de sua mente.





De Memória da Noite, São José dos Campos, 1978.

POR QUE - Abelardo Rodrigues


Não é pelo soluço que se constrói

a dor

nem pelo amar que se faz

amor




Um pensar avançado não faz

vanguarda

como andorinhas não voam

para o verão

E nós temos as cargas que nas costas

da mente

navegam como deuses em brigas





Não há lendas

Não são Zumbi

Saqueemos o mês das grinaldas

VIAGEM CATIVA - Abelardo Rodrigues


Toda vez não será mais ir

olhos contando rumos de formigas

em trilhas cansadas

de um nome para todos

Quem poderia pensar no ir

quando estar é tão perto ainda?

A NOITE DOS HOMENS SILENCIADOS - Abelardo Rodrigues


O silêncio do poeta

É o trovão das palavras

silenciosas

O frio do poeta

É o calor do conteúdo

É a palavra posta em pratos




Ela sobe os morros obscuros

da noite dos homens silenciados

em masmorra da cor





Até quando seremos tambores

com tímpanos quebrados